E, de repente, sentiu vontade imensa de dizer a palavra perronha. Nem sequer tinha conta do significado, mas, como necessidade, porque esta considera qualquer querer sagrado. E não vou dizer que tentou racionalizar isso, porque não tentou. Perronha, disse. Mas lembrou que teria que dizer algo depois, algo que deveria dizer desde que começou a pensar em causar confusão por querer dizer perronha. Então deu a resposta, surpresa, sim, mas sem capacidade de manifestar isso: Perdi. Perdi o gato. Também não quis dizer que perderia o filho, mas disse: Perdi o gato, mas são seria como perder um de nossos filhos. Quênia, que não é civilização ou constelação, é país. É isso que creio que seja. Também não cogitou na hora de levantar. Nem olhou pra trás. Que é que se perde quando se deixar de estar? Preferiu torta de chocolate.
Hipergrafia Nostálgica
Em memória do meu nunca-esquecido-cachorro-Mike e das coisas que eu tenho perdido ao longa da vida.
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
sexta-feira, 7 de setembro de 2012
Sobre câncer e café frio
Estou chapada. Putamente chapada. Enquanto escrevo, meu
cachorro me espreita, entediado, com sombras listradas no corpo. Estou
sentada no meu projeto de jardim esperando o café ficar bom. Meu pai faz um bom
café. Mais cedo, enquanto vagueava embriagado pelo nosso psedo-jardim,-estamos
felizes tentando construir um - pedi-lhe uns tragos de seu derby suave. Ele é
relutante e eu até gosto do sentimento
de fazê-lo preocupado, com conversas sobre vícios, estendendo seu braço
queimado e muitas veias puladas, como um pai. Eu acho bonito e acho que as
tinha desde cedo, essas veias. Desacredito. Mas não ligo, só quero outros
tragos do seu cigarro enquanto tento convecê-lo banalmente de que este é o meu
caráter de hoje e é o que teremos. Difícil, o velho. Volta, dizendo que não
encontra a vasilha do café e pergunta, mais um vez, sobre a ‘’fortuna das
casas, o dinheiro da COHAB, a cor do meu carrão e essas coisas’’. Está querendo
me enrolar, também não quer me dar café, disse que essas coisas viciam. Quero
café, oras. Hoje estou no meu dia de puta, dia de jazz. Me deixe HIGH. Esse lugar, esse banco, ao som
de um brega do outro lado da rua, exatamente onde eu gostaria de estar. Nem
sequer desejo que ponha seu Zé Ramalho Ao Vivo.
Estou assim, estou bem. Hoje eu estou. Sem
aula, sem amigos, sem namorado e o ainda com libido, mas perfeitamente bem.
Assim, meio zen. Nem Olinda, nem voz de vizinha e ninguém... Não... Pera. Pessoas
no portão. Como isso me irrita, ser importunada num momento tão grandioso. ''Prenda o cachorro, ele olha feio pra
mim. Não vou entrar não, ele vai me atacar.'' Nessa hora eu lanço meu olhar pra
ele, para Preciosa – meu filhote de pitbull-, como quem dissesse ''Avance, oras. É o que esperam de
você''. Tenho esses acessos de maldade vez por outra. Mas ele continua com seu
olhar interrogativo, a cabeça larga meio inclinada, as orelha em pé, o rabo
balançando meio de leve. Só a perdoo porque nos trouxe torta. Molhadíssima.
Falta qualidade, é certo, mas foi bem-vinda, afinal comida costuma descer como
pedra quando estou assim. Minha mãe vem
apreciar a paisagem, satisfeita. Deve adivinhar que estou escrevendo, põe fé em
mim, mas que em Jesuisinho, talvez. Mais
cedo assistimos, eu e ela, a um romance água com açúcar. Estou meio
ordinária, me comovendo com esses romances.
Um mamão, o filme. Nada que eu
não tivesse visto antes, mas me ajudou a criar uma ótica engraçada a respeito
das pessoas: todos se comovem diante daquela pobre moça brega porque, coitada,
tem leucemia. Tem pouco tempo de vida e é digníssima por querer coisas grandiosas
para o seu pouco tempo de vida. Ter seu nome em uma estrela, que coisa
majestosa! Estar em dois lugares ao mesmo tempo, como você não havia pensado
nisso? Eu também pensei nas coisas magníficas que quero pra mim. Um livro muito
bom, entrar pra Academia de Letras, como ''até'' Paulo Coelho entrou, fazer uma
descoberta científica, ter um amor parisiense e arrebatador, ser musa de algum
cantor que escreva alguma música pra mim e as moças que a escutem se perguntem
''mas quem foi a criatura divina para quem esse tal fulano também grandioso
escreveu essa música''?. Remédios, misticismo, viagens astrais, conhecer, saber
muito, muito e de tudo, conservar muitas fotos e nunca, nunca pensar que existe
algo mais valioso que elas. Mas meu pai
vem até mim de novo, pergunta sobre o dinheiro da casa. O cachorro se inquieta,
peço que me traga uma água, um café, outro cigarro, a sua não interferência. O cachorro roda querendo morder seu próprio
rabo. O velho volta, vem falar sobre a casa novamente. Tenho vontade de
explodir. A amnésia dele me irrita. Mas me aproveito de seu cigarro ensopado sem que ele perceba.
De volta às minhas reflexões, imagino como se pode achar querer conquistar
coisas extraordinárias pra si mesmo como
uma coisa de realmente de se espantar. O
fato é que a vida é muito curta. Curtíssima. Me pergunto se minhas amigas sabem
disso quando olho pras suas caras ingênuas. ''Sabem que, como a coitada
cancerígena do filme, vocês também vão morrer?'' Muito rápido. E é tão rápido que às vezes nem nos damos conta
disso. Meu pai, às vezes, de porre, se põe a pensar nisso, nessa droga de vida.
E são choros, relatos de sonho subindo ao céu e nos dando até mais. Injusto, sim.
Injustíssimo termos ciência disso.
O cachorro vem xeretar o que estou fazendo. É impertinente e abusivo, o danado. A vida
passa, sim. E não somos eternos e nem seremos eternizados. Estamos no mesmo
barco, pai. Tento consolá-lo, sempre, evitando pensar que eu também não saberei
como lidar com isso. Nunca. Mas não
somos preciosos? Eu, você? Temos fotos, temos lembranças. Fomos parte do
universo. Não é bonito, isso, ser parte do universo? Ele vai sentir minha
falta, vai sentir falta dos netos que talvez nem chegue a ver. E praguejamos, lamentamos nossa brevidade. E
não sei mais se acho isso lindo, de sermos finitos. Honestamente, tenho vontade queimar meus
morangos mofados, as neuras que me pareciam tão interessantes, as músicas que
me despertavam um sentimento de uma liberdade fingida. Tenho urgência de vida
agora, me dá o cigarro. Estamos vivos
agora. Estamos vivos, e pensantes. Capazes de sentir. E saio do meu pedestal.
Me vejo estúpida e burra. Cavei minha própria cova. Como minhas divas decadentes.
E aí me vem toda aquela história de essência, o infernal professor de filosofia
com sua risada exagerada, seu pescoço pra trás, sua voz de locutor de rádio. SENTIR. Sentir, dou na lata. Me conformo.
Sinto o vento nesse momento e me faz bem, como se fosse a única a reparar como o
vento é bom. Como se o sereno fosse mágico. Como alguém que viaja à França e
traz de lá camisa e chaveiros da torre eiffel, eu trago o sensação do
vento, a divindade que é sentir e a magia que é pensar, eu trago da vida tudo
isso. Me basta. E na minha condição, de sentimentalista,
extremista e querendo salvar meu couro, prefiro achar que os outros estão
doentes. Pensar é colocar uma corda no pescoço. Por algum motivo, quero salvar
o meu. E é assim que vou concluindo, que
as pessoas estão doentes. Irreversivelmente doentes. Qualquer câncer desses aí,
câncer de cretinice, talvez. Não
sei se mais eu, não sei se mais ela. Mas
a cota foi esgotada. Meu pai chega com o café, finalmente. Estranhamente frio. Vou
em busca de mais um cigarro.
quarta-feira, 11 de abril de 2012
Cumplicidade
Eu carrego as pomba-giras dentro do couro. Sem férias, sem trégua e sem dia santo. São vinte e quatro horas no meu ouvindo, feito mosquito, zunindo, reflexivas, interrogativas, dotadas de uma razão estranha. E racional, sim. ‘’Manifeste-se, lute, caia, machuque-se. Propositalmente? Por que não? Quem mais nesse mundo teria esse direito senão tu?’’ E acho digno manifestar, cair, lutar, machucar, mostrar, borrar, retroceder, parar, avançar, ir de lado ou sem cuidado, escandalizar, ir de bege ou vermelho, conjugar, sem mais ligar. A troco de quê? São bem claras: nada pedem além de cumplicidade, que eu as nutra.
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